sexta-feira, 9 de março de 2012

ROTA DAS TORMENTAS - AROUCA














05 de Março de 2012



Após um interregno ditado por compromissos pessoais, era prioritário retomar este tipo de iniciativas, pela garantia óbvia de aventura e excitação, mas também pelo saudável e gratificante ambiente de galharda e bem-humorada fraternidade, que o grupo consegue facilmente fazer emergir, de uma forma genuína e espontânea.
















Apesar da ameaça (pouco convincente, diga-se) de chuva, no fim-de-semana, na segunda-feira o dia amanheceu, de novo, soalheiro e frio, com algumas nuvens altas, que se foram esfarrapando com o avançar da manhã. À hora marcada fizemo-nos à estrada, com destino à Serra da Arada e o jeep carregado de mantimentos e apetrechos, com que cada um se tinha munido, para enfrentar os pouco mais de 16 km da “Rota das Tormentas”.
Depois da paragem, já obrigatória, na “Separadora”, para o cafezinho em grupo, zarpámos rumo ao S. Macário, via S. Félix. Esta dupla de santos haveria, aliás, de dar o mote, mais tarde, para um hilariante diálogo imaginado que, em jeito de desgarrada a três, cada um ia compondo e acrescentando e nos fez rir desabridamente, do súbito e inspirado ataque de idiotice pueril.
No Alto do S. Macário virámos à esquerda, em direcção ao sempre impressionante Portal do Inferno, de vistas arrebatadoras, para os vales profundos e escarpas verticais de xisto aguçado, no cume das quais a estrada estreita e sinuosa ondula num equilíbrio imponderável e vertiginoso, exactamente sobre o espinhaço da montanha.
Numa curva apertada, que nos levaria a Regoufe inflectimos, de novo, montanha acima, para, um pouco mais à frente, numa curva cega, à direita, iniciarmos a descida que nos conduziria a Silveiras, aldeia do concelho de Arouca onde se inicia este “PR5 Rota das Tormentas”.
Estacionámos num pequeno largo, à entrada da aldeia, já que as suas ruas apertadas não franqueavam a passagem ao Range Rover. O Sol continuava a brilhar intensamente mas estava frio. Equipámo-nos a preceito e ainda tivemos tempo para uma curta mas muito cordial e enternecedora conversa com a Sr.ª D.ª Ana que, vestida de negro e na sua simpática vetustez, nos comoveu com a demonstração espontânea de uma generosa hospitalidade.
Entrámos decididamente na aldeia, percorrendo os arruamentos estreitos e empedrados impregnados com uma mistura adocicada e intensa de aromas silvestres, fumo de lenha e bosta dos animais. Em pouco tempo chegávamos ao pequeno adro da Igreja, onde pontua um humilde coreto e as placas que assinalam o início do percurso.
Na literatura recolhida tínhamos a informação prévia e em jeito de aviso cauteloso, de que, um incêndio que assolou a região, em Agosto de 2005, para além de ter calcinado o cenário e desnudado a paisagem, teria destruído também as marcações, pelo que se desaconselhava, temporariamente, tentar fazer este PR. Prometia-se ainda, no folheto informativo que, após a regeneração da vegetação, seria efectuada a sua remarcação e devida divulgação. Aguardaremos, pois, atentamente.
Com este aviso de pressuposto, mas voluntariosos e decididos, iniciámos excitados de entusiasmo, a descida moderada da vereda que, saindo da aldeia, nos conduziria à ribeira, com o mesmo nome.
O Carlos, como já é hábito quando sai da “Noite” (e como era mais uma vez o caso), fica
possuído de uma proverbial exuberância frenética e toma de imediato a dianteira, numa toada enérgica, deixando-nos para trás a apreciar a paisagem e a fotografar, mais calmamente. Alega ele, que é para não adormecer…
Chegados à ribeira, ou ao leito por onde ela habitualmente corre em Invernos mais chuvosos, iniciámos uma exigente subida, primeiro ainda por calçada e pouco depois por trilho, verdejante, de montanha, em ascendente moderado a forte, até ao ponto mais alto deste percurso, a Portela Malhada, alcandorado nos seus 646 metros de altitude.
Aqui, o esforço da subida e as vistas panorâmicas que se alcançam impõem uma paragem demorada. O ar é de uma limpidez e pureza surpreendentes e o silêncio é absoluto, apenas entrecortado pelo piar de alguma ave, que esporadicamente risca os céus num voo furtivo ou vigilante. Lá à frente e minúsculo já na paisagem, o Carlos vai-se impacientando, numa pressa voraz, por entre o colorido da vegetação e o brilho terroso e ocre do xisto.
Recuperado o fôlego e as forças deixámos a Portela Malhada para trás e prosseguimos, no trilho de montanha, que evolui sem desníveis muito acentuados, ao longo da curva de nível, até começar a descer para a Cortegaça, no meio de uma paisagem deslumbrante, com encostas íngremes e coloridas pela urze e carqueja floridas, que revestem os vales profundos, até ao rio Paiva. No horizonte e para Norte a imponente Serra de Montemuro ergue-se majestosa, em tonalidades cambiantes de azul.
Chegados à Cortegaça deparámo-nos com uma pequena e singela aldeia, limpa, silenciosa e deserta, que o Sol quente da manhã aconchegava em cada recanto da pedra xistosa, das casas recuperadas e jardinzinhos cuidados e floridos.

Atravessámos a aldeia demoradamente, perscrutando cada viela e pormenor e subimos até à cumeada próxima, ao encontro de um estradão que nos encaminha
por cerca de 200 metros até ao inicio da descida para Meitriz. Este é, sem dúvida, o troço menos interessante do percurso, embora a paisagem continue deslumbrante, mas a lisura descolorida e monótona do estradão é um contraste violento e decepcionante com a beleza brava e silvestre dos trilhos sinuosos e exigentes que deixámos para trás.
Mas eis que a descida até Meitriz encontra de novo um ziguezagueante trilho estreito, alcantilado e descendente forte, pela encosta abaixo. Já dentro da aldeia evoluímos pelas suas vielas acanhadas e íngremes, entre casas decrépitas e abandonadas e outras bem recuperadas e iridescentes, nos brilhos do xisto escovado e realinhado, que nos inspiram devaneios de retiros eremitas e confortos antigos.
Ao fundo da aldeia aguarda-nos o Paiva espreguiçando-se demoradamente sobre os seixos rolados das margens arenosas, daquela pequena mas agradável praia fluvial, antes de se precipitar, de novo, na sua correria desvairada, alegre e bravia, através dos inúmeros requebros e rápidos, do seu leito caprichoso, que o conduz, serpenteante, desde a Serra do Leomil até ao Douro, em Castelo de Paiva.

Aqui fizemos um compasso de espera mais demorado, para explorar o local e fotografar. Recuperadas as forças e saciada a curiosidade, retomámos o caminho, em esforçada subida de ascendente moderado até a uma portela do antigo caminho de Silveiras para, daqui, iniciar a descida suave que nos levaria a Janarde, pequena aldeia que encerra esta rota.
A “Rota das Tormentas” é um PR denominado de travessia ou linear o que, não havendo transporte de recolha no final, obriga a fazer-se o regresso, no sentido inverso e se, nos seus 8 km iniciais, o um nível de dificuldade é de “moderado/difícil”, no regresso e por força da orografia do terreno, espera-nos uma classificação de “muito difícil ou tormentoso”!


O esforço do regresso foi largamente recompensado pelas cambiantes de luz e cor, que transfiguram a paisagem e acompanham o périplo solar.
Quando finalmente alcançámos Silveiras, ao meio da tarde, estávamos exaustos, sujos e suados, mas impregnados com a beleza silvestre e rude destas paragens e gratos pelo afecto e hospitalidade das gentes rústicas e genuínas de Silveiras, a quem aproveitamos para saudar, de novo.
Depois de desaparelhados, regressámos no remanso do embalo indolente do Range Rover, de regresso ao S. Macário, onde assentámos arraias e nos deleitámos com as iguarias gastronómicas reunidas no dia anterior.


O folheto descritivo deste percurso pedestre de pequena rota informa serem necessárias seis horas para o cumprir. Embora o tenhamos feito em cerca de quatro, somos unânimes em concordar que as seis horas anunciadas serão mais adequadas para a fruição do manancial de beleza que este PR oferece aos que se aventurem a desfrutá-lo.
Fica aqui o convite… mas preparem-se!


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