domingo, 6 de abril de 2008

Dia das Mentiras

01 de Abril de 2008.

Deixámos Viseu para trás e rumámos de novo à serra de S. Macário. Desta vez, o Luís o Nelson, eu e o Carlos – que se estreava nestas andanças – com o objectivo de efectuar uma avaliação preliminar e definitiva do trilho a propor para a caminhada do próximo dia 12 de Abril.
O Sol brilhava primaveril e o dia estava ameno e convidativo. Encontrámo-nos pouco depois das 08:00H, no local previamente combinado. O Luís já se impacientava no meu telemóvel com uma “SMS” ansiosa e, quando cheguei, o Carlos, apesar de ter feito “Noite” já estava à nossa espera. O último a juntar-se ao grupo e um pouco surpreendentemente, foi o Nelson.
Ao fim de pouco mais de meia hora de viagem, a montanha aguardava-nos, majestosa e imponente, com o seu anelante dorso azul-cinza profusamente ornamentado por extensas áreas que, ao longe, se nos ofereciam ao olhar, nas várias tonalidades da urze, indo do vermelho ao roxo, misturado com o amarelo vivo da carqueja. Aqui e além, principalmente junto aos povoados, as cerejeiras despontavam esplendorosas, na festiva alvura da sua floração delicada.
Chegados à Pena e antes de nos metermos ao caminho, combinámos a hora de almoço, na “Adega Típica”. No ar volteavam os chilreios das aves canoras e os zumbidos dos insectos quando, passada a ribeira a vau, chegámos à encruzilhada que dá acesso ao “caminho onde o morto matou o vivo”. Para trás ficava a pequena aldeia de onde ainda ecoava a algazarra dos cães excitados com a presença de estranhos e, à nossa frente, um tanto escondidos, estavam os pequenos degraus que dão acesso ao início do trilho, através dos campos cultivados.
No grupo, jovial e brincalhão, reinava a boa disposição e a excitação ansiosa de estarem prestes a alcançar o local que apenas conheciam da descrição que publiquei, após o meu primeiro contacto, em 20 de Março. Tudo servia de pretexto para as risadas quase juvenis e os comentários jocosos mas, chegados à fresta da fraga, onde o trilho inicia a descida abrupta, para aquela garganta sombria e estreita, ninguém conseguiu disfarçar o espanto e a apreensão iniciais.
Rapidamente refeitos da surpresa e animados pela proximidade física uns dos outros, o Nelson e o Carlos afoitaram-se à descida, de forma ágil e decidida, logo seguidos por mim e pelo Luís.
Pelo meio fizemos algumas pausas para fotografarmos e apreciarmos a espantosa beleza brutal daquele surpreendente e abissal jardim botânico, ao mesmo tempo que comentávamos um ou outro pormenor relacionado com o grau de dificuldade da descida. Da opinião geral, que eu tanto queria auscultar com vista à tomada da decisão final, para efectuar o trilho com o grosso do grupo habitual, ressaltavam fortes reticências sobre a sua exequibilidade e eu senti-me frustrado no meu entusiasmo empreendedor. Esperei estrategicamente que os ânimos esfriassem e continuámos o trilho, agora já na margem direita da ribeira, depois de termos passado a pequena ponte e deixado a cascata lá atrás.
A progressão continuava exigente mas a descontracção e a excitação voltavam a animar-nos e foi então que achei oportuno, no meio da galhofa bem-disposta, voltar a colocar a questão da exequibilidade do percurso e, aí, as opiniões foram tranquilizadoramente unânimes em que, ressalvando a excepção das crianças, o trilho era de facto acessível a qualquer dos adultos, desde que fossem tomadas as devidas cautelas com a sua sinuosidade.
O resto do percurso até Covas do Rio foi feito sempre no meio de grande diversão e animação, com o Carlos a surpreender-nos com a sua inimaginável agilidade em trepar aos locais mais incrivelmente inacessíveis e, logo de seguida se juntar a nós, com uma facilidade e rapidez desconcertantes.
Chegados a Covas do Rio – onde os cães voltaram a fazer as agonias do Nelson – cruzámo-nos com dois anciãos, cujos rostos profundamente sulcados denunciavam a idade e as dificuldades de uma vida inteiramente vivida naqueles lugares remotos. A conversa soltou-se fácil e cordial e conseguimos saber, entre informações sobre o local, que o caminho que nos tinha trazido até ali continuava até à aldeia de Serraco, eleita logo ali, como um dos nossos próximos destinos. Uma outra idosa, numa quelha mais à frente, ao saber de onde éramos e por onde tínhamos ali chegado, gracejou zombeteiramente do nosso “feito”, desvalorizando as dificuldades que tínhamos acabado de enfrentar.
Pouco depois iniciávamos o regresso, já a pensar no cabrito que o Sr. Alfredo nos estaria a preparar, mas ainda tínhamos pela frente um percurso que, embora deslumbrante, seria por certo também bem suado.
A luz do Sol ia fazendo as suas maravilhas, desvendando recantos que tinham passados despercebidos na descida e as máquinas fotográficas não tinham descanso, na ânsia de nada deixar escapar daquela beleza selvagem.
O Carlos continuava imparável lá na frente e o Nelson seguiu em sua perseguição. Para trás, seduzidos pelo cenário bucólico e inspirador, eu e o Luís fomo-nos demorando – extasiados – fotografando cada recanto que íamos descobrindo.
Finalmente cumprida a subida da escarpa que antecede o acesso à Pena, o ar afogueado dos nossos rostos e o suor que escorria profusamente nos nossos corpos exaustos, denunciavam o esforço exigido, mas a satisfação era também indisfarçável.
Pouco depois já nos encontrávamos sentados à mesa, degustando deliciados, o cabrito que até o Luís provou!

Sem comentários: